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Sérgio Luciano

Empatia dá trabalho, mas também dá resultado

ECOA

18/12/2019 04h00

Entendo a empatia como nossa capacidade de acolhermos e compreendermos a experiência do outro, ainda que nós a vivenciemos de uma forma totalmente diferente. Veja que essa compreensão não significa concordar com o outro ou se tornar passivo diante de uma situação. Existe espaço para o conflito e, ao mesmo tempo, para a escuta e interesse genuíno pelo que vem do outro.

Vejo a empatia como uma escolha consciente de ir mais a fundo, nos desafiarmos a encontrar outras possibilidades que se somam a nossa experiência de dualidade nas relações. Tem uma citação de Rumi, poeta sufi persa do século 13, que traduz lindamente esse olhar de dualidade:

"Para além das ideias de certo e errado, existe um campo. Eu me encontrarei com você lá."

Esse campo é um lugar que existe entre nós e que podemos acessar a qualquer momento. Entretanto, chegar lá requer movimento. De ambas as partes envolvidas. E frequentemente um primeiro passo de uma das partes é necessário para ir mais a fundo e encontrar um espaço de escuta e compreensão em meio ao conflito. Por isso, quero te contar sobre alguns benefícios de darmos este primeiro passo.

1. Espaço seguro

Quando uma pessoa percebe que foi escutada e compreendida por aquilo que disse ou fez, sem as lentes do certo e do errado, ela pode se tornar mais aberta ao diálogo. Afinal, quem gosta de ter o dedo apontado na cara com frases como "Você não deveria", "Isso é totalmente errado", "Você é muito", dentre outras?

Essa escuta pode criar um espaço de segurança e confiança entre as pessoas envolvidas, mesmo sabendo que no meio do caminho talvez apareça algum desconforto. Nesse espaço seguro podemos olhar juntos para o conflito e as divergências, apesar do medo que talvez exista.

2. Conexão emocional

Escolher o caminho da empatia é escolher se conectar com a humanidade da outra pessoa. Ter aquele interesse genuíno pelo que está por trás das palavras e ações do outro. Mais do que ir atrás de justificativas, o desejo é ter uma visão mais completa da história. Escutar, pura e simplesmente. Sem querer definir o que é certo e errado.

Possivelmente, nesse momento ambas as pessoas já se encontram nesse campo citado pelo poeta Rumi. Um campo de segurança e conexão.

3. Identificação de necessidades

Chega uma hora que começamos a ter mais clareza daquilo que era importante para o outro. Talvez a pessoa tenha determinada ação porque queria atender sua necessidade de reconhecimento e respeito. Ação essa que lhe parecia a melhor estratégia para conseguir o que buscava.

Nesse momento temos a oportunidade de desconstruir a ideia de que o outro é nosso inimigo. Ainda que discordemos totalmente da estratégia que ele escolheu, podemos nos conectar com o que lhe é importante, com suas necessidades. Também as temos, ainda que tenhamos estratégias diferentes e que parecem melhor para nós e para o coletivo.

4. Negociação

Sabendo daquilo que é importante para nós e para o outro, e reconhecendo que as estratégias adotadas por ele não cuidam de nós, surge a oportunidade de negociarmos novas estratégias que cuidem de todos os envolvidos. Porém, somente num espaço seguro e de conexão emocional é possível ter um terreno fértil para esse diálogo sobre estratégias.

5. Colaboração

Sem esse espaço de segurança e conexão, possivelmente a negociação se torna uma disputa implícita por poder e estaremos no jogo do ganha-perde, onde cada pessoa somente olha para o próprio umbigo e quer levar o máximo de vantagem possível. Quando adentramos este espaço, conseguimos ter uma mentalidade de ganha-ganha. Estamos comprometidos em encontrar um caminho satisfatório para todos.

Do ponto de vista pessoal, a empatia pode trazer mais resiliência e força interna para enfrentarmos o estresse do trabalho e contribuir também para separar o que é nosso do que é do outro. Pode também apoiar a ter relações mais saudáveis, ou menos desgastantes com pares de trabalho.

Do ponto de vista empresarial, a empatia pode trazer uma comunicação mais fluida, reuniões mais produtivas e menos extensas, mais eficiência na resolução dos problemas, mais clareza na informação e redução de retrabalho.

Empatia como academia

Pense na empatia como ir à academia. Não começamos levantando 100 quilos no primeiro dia de academia. Para chegar lá, precisamos de muita prática e constância, até que nossos músculos estejam fortalecidos e chegarmos a levantar/sustentar 100 quilos. Da mesma forma acredito que é preciso muita "musculatura empática" para enfrentarmos as situações mais desafiadoras do ambiente de trabalho.
E está tudo bem não sermos empáticos o tempo inteiro. A empatia começa, primeiro, acolhendo a nós mesmos.

Sobre o autor

Sérgio Luciano é empreendedor e atua com a promoção da empatia e diversidade como caminho para a construção de relações mais saudáveis. Intrigado pela complexidade das relações de poder e privilégio numa sociedade, tem se aprofundado nesse tema pelo olhar Processwork, uma abordagem terapêutica derivada da psicologia junguiana voltada para mediação de conflitos, facilitação de grupos e autoconhecimento. Também é especialista em comunicação não-violenta e atende organizações e pessoas físicas no Brasil e no exterior.

Sobre o blog

Criar condições para um mundo mais humano e acolhedor para todas e todos passa também por ressignificar as relações no ambiente de trabalho e entre organizações e sociedade, buscando novas formas de produzir e se relacionar. Às vezes essas novas possibilidades são desafiadoras às nossas crenças e ao sistema atual, mas nem de longe são impossíveis. Tudo começa a partir da escolha individual de mudar hábitos, visões de mundo e comportamentos.