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Sérgio Luciano

Empatia não é moeda de troca

ECOA

04/03/2020 04h00

Estes dias conversava com uma amiga sobre essa tal de empatia. Falávamos, dentre várias coisas, da importância de lembrar que empatia não é moeda de troca. Tampouco condicional às réguas de certo e errado que começo a criar.

Algo como: "Eu sou empático, busco me colocar no lugar do outro… mas, olha: com fulano não rola. aquele ali é empatia zero pelos outros."

Ou então: "Poxa, eu sou empático com fulano. mas ele não é nada empático comigo e não muda. Assim não dá, né."

Acho tenso falar sobre isso, pois começo também a pensar sobre limites e dificuldades de lidar com pessoas que têm ações que contribuem imensamente para redução do meu nível de bem-estar e o nível de bem-estar da sociedade.

Sendo mais direto: "Caramba, tenho que ser empático com esse bando de gente que só quer ver os outros se ferrando, que só pensa em si? E até com aqueles que demonstram ter prazer ver os outros em más condições, para assim se sentirem bem?"

A resposta mais simples é: "Não. Você não tem que ser empático com esse povo. Aliás, você não tem quer ser empático com ninguém. Ignore tudo que escreverei aqui, e viva como quiser."
Porém, tenho percebido que o buraco é um pouco mais embaixo. Um causo mais complexo, viu.

Contextualizando: acho que empatia é caminho e decisão. Uma escolha de começar a olhar para as pessoas pelas lentes da humanidade. Humanidade que reside em mim, em você, em nós, neles. Sim, neles. Naquela gente ruim, seja lá quem for que você chama de gente ruim.

Porém, vamos dar alguns passos atrás. Se você nunca antes foi pra academia e tem um corpo magrelo (tipo eu). Sem músculos praticamente. No seu primeiro dia de academia, no primeiro aparelho, coloca um peso de 70 kg de cada lado para levantar. Respira fundo… 1… 2… 3… e tenta levantar esse peso. O que acontece?

Se, por um milagre, você ficou forte, levantaria igual uma pena. No meu caso, certamente eu teria um belo dum estiramento. E se continuasse tentando levantar a qualquer custo, ferraria com minhas costas, pelo menos.

Vamos pra vida. Vem aquela pessoa extremamente desafiadora. O tal do 'gente ruim'. Centenas de quilos de desafio pra levantar. Eu, ou você, magrinho de tudo. Magrinho na empatia, sabe. Sem o hábito de exercitar os 'músculos emocionais'. Sem o traquejo para vivenciar conflitos complexos. O que vai acontecer?

Bom, se uma benção surgiu dos céus, vamos conseguir respirar fundo e ser super acolhedores. Dialogar numa boa. Conseguir compreender que a pessoa é muito mais que 'não é aquilo que não gostamos nela e não dialoga com nossos valores'. Iremos perceber que a gente consegue discordar veemente desta pessoa, ir contra as ações delas, até ter ações enérgicas para conter danos… sem rotulá-la como a nossa pior inimiga.

Porém, essa benção provavelmente não vai cair do céu. E nossa reação vai ser soltar meia dúzia de palavrões, rotulá-la como o demônio em terra, e aumentar a polarização entre nós e ela.
Se a gente não tá malhando, fazendo academia pra fortalecer nossos 'músculos emocionais', jamais vamos conseguir sustentar espaço interno para viver a intensidade dos esbarrões com aqueles que parecem ser nossos antagonistas em vida. Trocando em miúdos: dificilmente vamos ter empatia por estas pessoas.

E isso é ruim? Não, não é.

Porém, tenho aprendido que me dispor a ter empatia por toda e qualquer pessoa não significa eu ter que amá-la de coração. Tampouco ter que concordar ou conviver com ela.

Essa tal da empatia tem sido, pra mim, uma escolha de me permitir acompanhar o outro em seus pontos de vista e escolhas de vida, por mais insano que me pareçam, com um olhar curioso do que essas escolhas representam para ele. De quais necessidades estas escolhas estão cuidando. Imaginar como esta pessoa chegou nesta estratégia que parece cuidar muito bem dela, mas descuida de tudo mais ao redor.

E pra quê?

Pra eu poder viver melhor, basicamente. Viver e conviver melhor. E pra tentar quebrar o ciclo de violência no qual eu estou inserido, todo santo dia. Olhar pro outro como a pior pessoa do mundo, cansa. Me estresso pra caramba. Já começa a palpitar o coração quando me atenho às formas, sem olhar para as necessidades e humanidade do outro.

Também tenho percebido que contrapor uma opinião para buscar ter razão e convencer no grito, não tem adiantado. Só gera mais polarização e separação. E responder sem entrar no jogo da culpa, sem retribuir violências, me ajuda a quebrar esses ciclos de violência.

Quando tenho intenção genuína em compreender as posições do outro, algo parece mudar. Não sempre, mas às vezes. Tem horas que a pessoa parece sair mais certa do que estava. Outras horas eu que 'saio do corpo' e explodo. Ou explodimos juntas.

Em outros momentos, engatamos numa escuta e compreensão mútuas. Falamos sobre nossas dores e medos, nos conectamos ao nos expressarmos 'a partir do eu'. Sem culpabilização ou apontar de dedos um pro outro. Uma genuína e profunda intenção de conexão. E fico feliz demais quando rola essa conexão. Na real, é libertador.

Isso não significa compactuar com violência, viu. Sem essa de querer entrar pro jogo do oito ou oitenta. E, também, quando falamos de sistemas de opressão, a complexidade aumenta. De fato, precisamos ter ações de contenção e transformação das estruturas.

Mas, a vida, acontece em várias esferas.

Se na disputa do imaginário coletivo continuo trabalhando para reforçar uma visão de mundo que dê conta de acolher as diversidades e seja mais inclusiva, contrapondo uma visão que tende a segregar, separar e oprimir, no um a um, no tete-à-tete, tô parando de querer ter razão. E tentando prezar a escuta e conexão.

Afinal, empatia é decisão e busca por conexão. Comigo. Com o outro. Seja quem for. E cada pessoa é livre para escolher quais estratégias acredita melhor contribuir para o mundo e relações que deseja construir.

E, por fim, uma última coisa:

Nada do que eu digo é uma VERDADE. É, tão somente, uma opinião. Colha aquilo que lhe for bom, experimente com aquilo que desejar experimentar, e fique com aquilo que não tem intenção de se questionar ou mudar.

Sobre o autor

Sérgio Luciano é empreendedor e atua com a promoção da empatia e diversidade como caminho para a construção de relações mais saudáveis. Intrigado pela complexidade das relações de poder e privilégio numa sociedade, tem se aprofundado nesse tema pelo olhar Processwork, uma abordagem terapêutica derivada da psicologia junguiana voltada para mediação de conflitos, facilitação de grupos e autoconhecimento. Também é especialista em comunicação não-violenta e atende organizações e pessoas físicas no Brasil e no exterior.

Sobre o blog

Criar condições para um mundo mais humano e acolhedor para todas e todos passa também por ressignificar as relações no ambiente de trabalho e entre organizações e sociedade, buscando novas formas de produzir e se relacionar. Às vezes essas novas possibilidades são desafiadoras às nossas crenças e ao sistema atual, mas nem de longe são impossíveis. Tudo começa a partir da escolha individual de mudar hábitos, visões de mundo e comportamentos.