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Sérgio Luciano

E se a gente desse voz à criança que vive em nós?

ECOA

26/02/2020 04h00

Estava pensando como falar de amor, harmonia e bem-estar nas empresas. Resolvi contar sobre um breve encontro que tive com um menino esta semana, em Piracicaba.

Hoje um menino me deu uma flor.

Nossos olhares se cruzaram, pela primeira vez, durante o almoço, no Gengibre Bistrô. Houve uma conexão instantânea.

Eu sorri para ele. Ele sorriu pra mim. Ao mesmo tempo.

Me encantei pelo seu jeito animado de falar, enquanto apreciava seu suco. Ele, almoçava com sua avó e irmão. Eu, com minha companheira.

Segui meu almoço. De longe, observando-o. Me alegrando e sorrindo com sua espontaneidade.

Ele terminou o almoço e se foi, antes de mim. Celebrei aquele breve momento de conexão. A vida seguiu. Fui embora do restaurante, rumo à rodoviária.

E, enquanto caminhava, uma surpresa. Lá estava o menino, de novo, com sua avó. Então, eu sorri pra ele. Ele sorriu pra mim. Ao mesmo tempo.

Com coração pulando de alegria, perguntei: – Oi. Você lembra de mim?

Ele respondeu: – Você estava no bistrô.

Trocamos mais algumas palavras. Segui meu caminho, junto com minha companheira, rumo à rodoviária.

Ouvimos passos. E vozes.

– Ooooi. Espera.

Era o menino. Nos seguia, numa corrida onde a vó penava para acompanhar.

Assim que nos alcançou, abaixei à sua altura. E ele perguntou: – Qual seu nome?

Sorridente, respondi. E ele me disse que se chamava Mateus. Estendi a mão para cumprimentá-lo e a avó o ajudou a estender a mão até a minha. Perguntou o nome de minha companheira. Se apresentaram também.

Levantei e seguimos nosso caminho, eu e minha companheira.

Mateus, de novo, nos chamou. Seguia na beira da calçada, agora buscando algo. E achou.

Era uma flor. Me presenteou.

Tão logo nos despedimos Mateus nos chama mais uma vez. Buscava outra flor. Afinal, a Laura ainda não havia ganhado a sua.

A avó, meio que desconcertada. Preocupada: – Ei Mateus, eles vão perder o ônibus.

Mateus, focado, continuava sua busca pela flor. Encontrou-a. Entregou para Laura. E nos despedimos. Dessa vez, de vez.

Passados alguns segundos, de longe escutei: – Onde está sua mãe?

Trocamos mais alguns gritos. Sobre minha mãe estar em outra cidade e eu não morar mais com ela. Ele, talvez sem entender como era possível um outro menino caminhar pela vida sem sua mãe. Ou sem sua avó.

Seguimos nossas vidas. Eu, com um calor no coração e brilho nos olhos. Encantado com o poder da conexão.

Mateus, nos seus 2/3 anos de idade, me ensinando sobre o desejo natural do ser humano de contribuir com o bem-estar do outro. Sem esperar nada em troca.

Depois, fiquei pensando na transformação que preciso para viver em mais harmonia comigo mesmo. Na transformação que nós precisamos, enquanto sociedade, para vivermos com mais harmonia uns com os outros, com a natureza.

Onde nos perdemos, e começamos a tornar seletivo o desejo pelo bem-estar do outro? Onde começamos a achar que, para estarmos bem, alguém precisa estar mal? Onde nasceu a indiferença àqueles ao nosso redor, e à natureza?

Precisamos aprender mais com as crianças. Com aquelas que hoje nascem. E com aquelas que éramos, e silenciamos e nos desconectamos, em algum momento, em prol de uma vida adulta.

Em meio às constantes violências (sutis e explícitas) em que vivemos, e que cometemos, alimentamos e replicamos… o Mateus me relembrou da importante e necessária revolução do amor, na pura e doce oferta, de uma flor.

Revolução essa que começa, antes de tudo, no resgate e acolhimento, com amor, da eterna (e muitas vezes ferida) criança que vive em mim.

Sobre o autor

Sérgio Luciano é empreendedor e atua com a promoção da empatia e diversidade como caminho para a construção de relações mais saudáveis. Intrigado pela complexidade das relações de poder e privilégio numa sociedade, tem se aprofundado nesse tema pelo olhar Processwork, uma abordagem terapêutica derivada da psicologia junguiana voltada para mediação de conflitos, facilitação de grupos e autoconhecimento. Também é especialista em comunicação não-violenta e atende organizações e pessoas físicas no Brasil e no exterior.

Sobre o blog

Criar condições para um mundo mais humano e acolhedor para todas e todos passa também por ressignificar as relações no ambiente de trabalho e entre organizações e sociedade, buscando novas formas de produzir e se relacionar. Às vezes essas novas possibilidades são desafiadoras às nossas crenças e ao sistema atual, mas nem de longe são impossíveis. Tudo começa a partir da escolha individual de mudar hábitos, visões de mundo e comportamentos.